sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

...2012...


Renova-te.
Renasce em ti mesmo.
Multiplica os teus olhos, para verem mais.
Multiplica-se os teus braços para semeares tudo.
Destróis os olhos que tiverem visto.
Cria outros, para visões novas.
Destróis os braços que tiverem semeado,
Pare se esquecerem de colher.
Sê sempre o mesmo.
Sempre outro. Mas sempre alto.
Sempre longe.
E dentro de tudo

Cecília Meireles

Auto-retrato

 Saint Lunaire, França

"A vida é o que fazemos dela.
As viagens são os viajantes.
O que vemos não é o que vemos,
Senão o que somos"

Fernando Pessoa

Via Del Amore, Riomaggiore, Cinque Terre - Itália.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O Absurdo e a Graça no meu Quintal

Nesse final de semana conheci de verdade e muito, muito de perto, o PODER do fogo... Bateu na porta dos meus dois lares – na da minha casa e na da UNIPAZ. 

Ouvi, impressionada, o som das chamas engolindo a mata num volume que me paralisou!

O primeiro sentimento foi o de medo... me dei conta, mais uma vez, da nossa finitude, do quão somos frágeis... e sentir isso com o filho no colo é de fazer parar o coração... 

Em seguida veio a tristeza... um pesar pela vida das flores, árvores e bichos... vi camundonguinhos pulando de medo, um batalhão de grilos refugiados na nossa garagem, muitos carcarás e gaviões rodando os ares à espera do churrasquinho.

Depois veio, de mansinho, um sentimento bom ao abrir a janela no dia seguinte e sentir o cheiro das cinzas no ar... um sentimento de renovação. 

Mas aí, fogo de novo!

Um sentimento de que as coisas não estão mais nos seus devidos lugares, de desorganização caótica... mais uma vez uma tristeza, desta vez acompanhada pela raiva.

Mas um novo dia sempre chega e, com ele, novos insights, novas possibilidades de compreensão. 

Fui até o fundo do terreno onde moramos, depois do cafezal - totalmente destruído pelas chamas. 

Chegando lá, me deparei com o MILAGRE da VIDA, mais uma vez encantando meu olhar, me lembrando de que nossa percepção, geralmente, é demasiadamente curta e superficial para compreender o Mistério que há por trás de tudo que acontece.

Chegando no fundo do quintal, no meio das cinzas, sete pés de mexerica, mais alguns de laranja e limão amarelo, transbordando em frutos. As cinzas banhavam seus pés, pois o fogo que ali passou queimou tudo, tudo, tudinho... menos elas! 

Elas, que estavam grávidas da vida dos próximos pezinhos de mexericas, segurando firmes suas cápsulas de sementes deliciosamente protegidas, não  queimaram! De tudo o que havia em volta, sobraram apenas cinzas... mas com elas foi diferente!

Numa fração de segundo, vi o absurdo e a graça no meu quintal!

Paralisei diante de tamanha beleza! Arrepiei me dando conta de que o fogo – esse sagrado fogo que aqui queimou – levou uma camada da vida para desvelar uma outra que estava, até então, encoberta. 

Encoberta e deslumbrante! Encoberta e enlouquecida para compartilhar sua beleza e abundância. Porque a BELEZA e a ABUNDÂNCIA existem para serem compartilhadas... se não o fossem, pra que existiriam?

Mais uma vez me dei conta dos meus julgamentos - aquilo que penso que sei quando estou na ilusão de que sou separada de tudo e tudo é separado entre si. 

O julgamento de que o fogo é somente destruidor. De que o fogo gera somente desolação, medo e dor.  

Por um momento me esqueci do seu poder transmutador, da sua função essencial de destruir tudo o que é velho e precisa morrer... para que o NOVO possa nascer, adubado pelas cinzas daquilo que passou. 

Esqueci porque é mais fácil honrar a FORÇA da Vida quando ela se manifesta de uma forma mais branda, contida, controlada e, por que não, agradável aos sentidos. De uma forma que não ponha nossas certezas e apegos em perigo iminente. Porque fomos criados numa cultura que cultua a busca pela permanência das coisas e por uma ordem inventada, muitas vezes em desarmonia com a ordem cósmica que abriga em si a ordem, mas também o caos. 

Nietsche já dizia que “é preciso ter o caos dentro de si para fazer nascer uma linda estrela bailarina”. Assino embaixo.

O meu mais novo mestre, o fogo, me lembrou que a morte faz parte da vida. Me fez recordar que a morte é uma transformação da vida. Transformação capaz de beneficiar tudo aquilo que fica, na forma de adubo para suas raízes - sejam elas raízes físicas, emocionais, espirituais. É necessário, porém, olhos físicos para ver e olhos sutis para sentir e intuir essa verdade.

O meu mestre fogo me fez recordar que a morte é uma iniciação. E que toda iniciação implica em sofrimento. E que cada sofrimento nos faz mais fortes quando somos capazes de lhes dar um sentido e, assim, atravessá-lo. E que todo sofrimento, visto do ponto de vista de dimensões mais sutis, é apenas mais uma ilusão.

O meu mestre fogo me fez recordar que uma morte é uma preparação para um renascimento...

Mais um dia, mais uma lição... Mais arrepios e encantamentos... 

E o que ficou foi a emoção, a gratidão e a vontade de compartilhar... a abundância, a beleza e a ALEGRIA de fazer parte de um mundo tão inesgotavelmente belo! 

 




Isabela Crema - 08/08/2011

De volta ao berço original

(A Voz das Avós - Encontro do Conselho Internacional das 13 avós nativas - 10/2011 - UNIPAZ DF. Foto de PH Nagô)




Ouvi de uma avó que precisamos nos tornar indígenas – todos nós. Demorei para entender racionalmente esta frase, mas meu coração captou sua essência no mesmo momento, fazendo transbordar a água do meu ser, como de costume.

Precisamos, todos, nos tornar indígenas. Precisamos acordar aquela parte do nosso Ser que anseia, mais do que tudo, a voltar para a Terra, a sentir conscientemente a conexão profunda que temos com tudo o que há, como seres vivos que somos, filhos de uma mesma mãe, tecidos pela mesma Força Criadora que criou todo o universo em perfeita harmonia.

Voltar para a terra, acordar a comunicação com todos os seres de todas as espécies e reinos.
No sentido colocado pela avó, um indígena não é capaz de contemplar este mundo de infinita beleza e enxergar nele uma forma de se ganhar dinheiro ou de se explorá-lo pra seu próprio benefício. Um indígena olha para esse mundo e tudo que ele é capaz de fazer é, antes de tudo, AGRADECER. Depois, simplesmente viver... O indígena não é um ser que está na terra. Ele é um ser DA TERRA.

Ser esse indígena é conhecer aquele provérbio “o que fazes à Terra, fazes a ti mesmo” dentro do próprio coração... é ter essa sabedoria, essa conexão fluindo dentro das veias, correndo pelo seu sangue, passando por dentro dos seus ossos, pois sabe que, assim como todos os animais e plantas, o seu corpo é uma extensão do corpo de Gaia, do corpo de Pachamama.

Ser indígena é saber honrar os seus ciclos e os ciclos da terra – que são os mesmos – porque isso é o que, de fato, existe! Não importa o quão desconectado o homem esteja: após o dia, vem a noite. Terminado o inverno,  chega a primavera. Os solstícios e equinócios, os movimentos das estrelas não param porque nós não estamos prestando atenção.

Não importa o quão desconectada uma mulher esteja do seus ciclos, o seu corpo continua seguindo a pulsação da Lua. Nossas crianças continuam a nascer nas transições de uma fase para outra. A Avó lua continua a reger todas as águas do nosso planeta, inclusive a que se encontra dentro de nós mesmos, independentemente de estarmos conscientes disto ou não. Os astros, lá no céu, exercem a sua influência nos nossos humores, disposições e potencialidades mesmo que ignoremos completamente o seu poder e, até mesmo, a sua existência.

Quanto aos dias, meses, horas, minutos e segundos: no dia em que todos os relógios e calendários do mundo pararem, eles também encontrarão seu fim. O tempo artificial - regente desta forma atual de estar no mundo, que controla e engole nossas vidas - depende de alguma estrutura igualmente artificial para se manter. O fluir das estações do ano, não. As tartarugas marinhas retornam todo ano para a praia onde nasceram para colocar seus ovos sem relógio, mapas, calendários e fotografias. Os pássaros migram de uma terra para outra sem o auxílio da meteorologia ou de um calendário que os digam que chegou a hora de partir.

A reconexão com a Terra parte de uma atitude de humildade em relação à todos os reinos que compartilham conosco este lindo lar. Parte de uma reaproximação com os elementos originais, dos quais toda a vida necessita para existir. O nosso corpo é feito de terra, água, ar e fogo. Nos alimentamos da terra, da água, do ar e do fogo. Construímos nossas casas, escolas, edifícios, indústrias e tudo o mais, com terra, água, ar e fogo.

Idolatramos o nosso corpo, as nossa edificações, os nossos avanços científicos, mas nos esquecemos de honrar a fonte de tudo isso: a matéria-prima VIVA sem a qual nada disso seria possível.
Idolatramos isso tudo e, no entanto, devastamos nossas florestas para tornar o sistema atual sustentável... Imaginem os seres humanos vivendo nesta terra sem a companhia das árvores que inspiram o que expiramos e expiram o que inspiramos. Que nos ofertam sombra, frutos e madeira para que possamos nos aquecer e nos abrigar...

Idolatramos o avanço da nossa medicina moderna e da indústria farmacêutica e, no entanto, exterminamos nossos povos tradicionais, guardiões da sabedoria do reino vegetal e sua medicina, de onde os pesquisadores extraíram e continuam a extrair seus conhecimentos sobre quais princípios ativos curam quais doenças.  Matamos milhares de espécies de plantas para plantar um único tipo para alimentar o gado que alimenta uma minoria enquanto milhares de pessoas morrem de fome todos os dias... Imaginem os seres humanos vivendo nesta terra sem a companhia das plantas que embelezam e perfumam, que nos alimentam e a tantos outros seres e que nos curam com sua medicina...

Idolatramos nossos carros e suas potências e, no entanto, tratamos os animais que os inspiraram como escravos. Acabamos com seus habitats, os torturamos em pesquisas científicas... Imaginem os seres humanos vivendo nesta terra sem a companhia dos animais... sem o canto dos pássaros e das cigarras, sem as baleias, peixes e golfinhos no mar... sem os cães e gatos , nossos companheiros fiéis de vida... Sem a onça pintada, os tigres, elefantes, leões, capivaras, tamanduás, tucanos, araras, papagaios... Que cor teria nossa Terra sem eles?

Idolatramos nossa indústria alimentícia, adoramos comer coisas diferentes e, no entanto, exterminamos nossos insetos e os chamamos de pragas quando damos de cara com um número anormal deles em nossas plantações por um desequilíbrio causado por NÓS (quem mesmo é a praga?)... Imaginem os seres humanos vivendo nesta terra sem a companhia dos insetos que servem de alimento para tantos outros seres, que polinizam as flores e são responsáveis pela abundância de cores, perfumes e sabores na terra... Imaginem uma Terra sem as abelhas, borboletas, cigarras, mariposas, libélulas, grilos... Que som teria nossa terra?
A vida no nosso planeta é como uma teia: elimine um dos seus fios e todo o resto murchará! Não somos mais importantes que as areias do mar. Não somos mais especiais que as árvores ou o carcará ou a águia ou as raposas ou o jacaré.

Mas uma coisa nós, seres humanos, temos que nos diferencia dos outros seres que habitam esta linda terra: nós temos CONSCIÊNCIA. E, quanto mais consciência, maior a responsabilidade!

As avós do Conselho Internacional das 13 avós Indígenas nos lembram: Esta Terra nos foi CONFIADA pelo Grande Mistério e temos a MISSÃO e RESPONSABILIDADE de Amá-la, cuidá-la e protegê-la.
A responsabilidade sobre a situação em que nos encontramos é única e exclusivamente NOSSA. A responsabilidade de TRANSFORAMÁ-LA, da mesma forma, é NOSSA.

É chegada a hora de pararmos de atribuir a culpa à outras pessoas, líderes ou nações. Isso toma tempo e energia que podemos reverter em AÇÃO CONCRETA para a RECONSTRUÇÃO do nosso jardim.
É chegada a hora de ASSUMIRMOS A RESPONSABILIDADE de TRANSFORMARMOS esse mundo. E a única forma disto acontecer é a de NOS transformarmos primeiro: a verdadeira REVOLUÇÃO acontece de DENTRO PARA FORA, pois se assim não for, será apenas mais uma ação superficial.

Se reconectar com o tempo natural é honrar o ventre de onde viemos e para onde voltaremos. É honrar a presença e a importância essencial dos nossos irmãos de todos os reinos e espécies que aqui foram postos para sustentar a VIDA na Terra e não para servir aos nossos caprichos, excessos e egoísmo.
Conhecer os ciclos naturais é se conectar com os ciclos internos, pois todos fazemos parte de uma mesma Vida pulsante.

Conhecer os ciclos internos é retomar o nosso poder pessoal. É saber, de dentro pra fora, quando é tempo de retiro, de descanso, e quando é chegada a hora da ação. É saber quando é tempo de semear novas idéias e quando é tempo de colher desta semeadura, pois o impulso que vem de dentro do nosso Ser nos impele nesta ou naquela direção porque estamos alinhados com a Teia cósmica da Vida.

É sabermos que temos RESPONSABILIDADE sobre tudo o que pensamos, dizemos e fazemos, e que tudo isto transforma o mundo onde nossos filhos, netos e bisnetos viverão. E que a EDUCAÇÃO que damos aos nossos filhos, netos e bisnetos influenciará suas escolhas no futuro, o que transformará o mundo em que seus filhos, netos e bisnetos viverão.

O mundo que deixaremos para os nossos filhos e os filhos que deixaremos para o nosso mundo são duas faces de uma mesma questão essencial cuja RESPONSABILIDADE encontra-se completamente em nossas mãos.

O mundo em que nascemos encontra-se à beira de um colapso, que já se iniciou. É chegado o tempo de acabarmos com a ILUSÃO de que existem questões mais importantes a serem tratadas neste momento que não sejam a construção de uma nova forma de viver no nosso planeta. É chegada a hora de olharmos com seriedade para o sistema que criamos e aceitar o seu fracasso para, então, partir para a edificação de uma forma de viver, em harmonia com o cosmo.

Basarab Nicolescu já nos apontou, há muito anos, que chegamos ao ponto em “ que temos a escolha de evoluir ou desaparecer”... E eu oro, por Amor à minha Mãe Terra e à todos os meus irmãos de todos os reinos, por Amor ao meu filho e aos meus netos e bisnetos que hão de vir, que nossa escolha seja pela EVOLUÇÃO. A verdadeira Evolução - aquela que nos brindará com os frutos de tudo aquilo que, AGORA, plantamos.

A semeadura já começou. Se não gostamos do que estamos a colher, é porque é chegada a hora de plantarmos novas sementes, de uma nova forma, com um novo propósito e com Amor renovado.

Metakuye Oyasin, por todas as minhas relações.

Que assim seja.
HO!


Isabela Crema - 11/2011