sábado, 31 de março de 2012


"Faltam-te pés para viajar? 
Viaja dentro de ti mesmo,
e reflete, como a mina de rubis,
os raios de sol para fora de ti.

A viajem conduzirá ao teu ser,
Transmutará teu pó em ouro puro"

Rumi

sexta-feira, 9 de março de 2012

Eu sou



Sou mulher pé no chão.
Sou menina sonhadora.
Sou mãe, filha, irmã, esposa e amiga.

Sou jovem alegre e cheia de energia.
Sou velha enrugada, profunda e misteriosa.

Corre dentro de minhas veias o sangue indígena de todas as Nações.

Batucam, dentro do meu peito, todos os tambores da África.

Sou cabocla, sou semente, o ocidente e o oriente.
Sou Amante de loucuras transgressoras e mora dentro de mim uma eterna rebelde.
Rebelde com causa, incapaz de presenciar uma injustiça sem mergulhar na dor que se esconde por trás das cortinas alegres e coloridas com que me visto para enfrentar o lindo e cruel mundo em que me plantei.
Sou rebelde sem causa, só pelo gosto gostoso de dizer não.

Sou candanga de nascença e baiana de coração.

Minha alma é poeta, é artista, eterna amante da sutil beleza que jaz nas pequenas coisas, gestos e palavras. Amo os detalhes, as pequenezas, o microscópico desvelar da vida pulsante num pólen de flor.

Sou terapeuta, sinto a dor do mundo.
Sou educadora, acredito na luz que se esconde por trás de dentes cerrados, punhos fechados e caras amarradas.

Sou Amante da natureza, dos animais, flores e estrelas. Me encanta os cantos dos pássaros, das cigarras, do rio, do vento e do mar... o zumbido de abelhas, o fogo queimando, o assusta-a-dor som do trovão.

Sou o suingue da batida do afoxé, o molejo, o rebolado e o prazer.
Sou a rigidez da bailarina de balé, de tempo acertado, corpo encaixado e calos nos pés.
Sou a nudez sem pudores e sou a casta e insípida freira, no alto de seu trono superior.

Sou a gota que teme desaparecer no oceano... As amarras e escudos que me protegeram da dor e que, hoje, me escondem de mim mesma.

Sou o Amor que teme Amar.

Sou a liberdade que teme se entregar.

...Mas...
...

...No mais profundo de mim mesma, nada disso sou...

Profusão de cores, aromas, formas e matizes com que me pintei para celebrar a beleza da vida, para sofrer a dor da existência... nada mais é todo esse pequeno “eu sou”.

Por trás de toda a maquiagem, simplesmente, EU SOU...

Por trás de toda máscara, simplesmente, EU SOU...

Por trás de toda mentira, simplesmente, EU SOU...

Por trás de todas as defesas, simplesmente, EU SOU...

...EU SOU... sem definições...
...EU SOU... sem julgamentos...
...EU SOU... sem limites...

Por trás de toda a dor... EU SOU PURA ENTREGA.
Por trás de toda a dor... EU SOU O PURO AMOR.

...EU SOU...
...EU SOU...
...EU SOU...

Isabela Crema - 09/03/2012

quinta-feira, 8 de março de 2012

Dia das Mulheres


Ontem, saindo de casa, saí do carro para abrir o portão. Ao lado do portão velho e quebrado, em meio ao mato mal-cortado, num lugar bem pouco cuidado do terreno, estava um lírio que acabara de florescer. Duas flores lindas, como sempre são os lírios, só que cor-de-rosa... Me en-cantei com a cena mas, atrasada para levar meu filho para a escola, desliguei minha função "coração transbordante" e liguei o automático. Matei Kairós que começava a me inundar de um calor criativo, amoroso e cor-de-rosa - assim como as flores - e dei as mãos à Chronos, o guia e mentor da minha falta de ar e falta de paz-ciência no trânsito. 

Mas o Universo não se cansa de nos mostrar o caminho do coração e, no dia seguinte - exatamente hoje - novamente, lá estavam elas... abertas, radiantes, perfumadas e cor-de-rosa. Dessa vez dispensei Chronos e fui, de mãos dadas com Kairós, dar um cheiro em tamanha beleza e delicadeza. Aceitei o presente do Mistério, fiz as pazes com o presente e fiquei alguns instantes me deliciando com o mistério da bela flor que nasceu num improvável chão, sentindo o pulmão livre para respirar o perfume doce do aqui e agora. 

Voltei ao carro e, ainda tomada pela beleza do instante que se passara, me dei conta de que hoje é o dia das mulheres. Dia que foi criado para honrar a força feminina amorosa, poderosa e absolutamente transformadora das mulheres que, no dia 8 de março de 1957, foram queimadas vivas na fábrica onde trabalhavam por a terem tomado em uma greve onde elas reivindicavam a redução de 16 horas de trabalho diário para 10. Elas recebiam menos de um terço do salário dos homens que desempenhavam a mesma função. 

Subitamente compreendi o sentido de tudo isso que vivenciei... Estas flores são como um espelho do feminino. Uma ode ao poder doce, à ternura enraizada, ao perfume que se entrega com total consciência da sua missão criadora e preservadora da VIDA que é a força do feminino bem integrado. Uma poesia feita em memória à todas as mulheres que se entregaram na luta pela liberdade.

Elas foram o presente do Amor para o meu dia das mulheres. Um lembrete de que, não importa em qual terreno, com quanto cuidado e em quais condições climáticas ou físicas nossa semente se plantou: temos, dentro do nosso coração, todo o potencial para desabrochar nosso Ser em flor. 

Uma irmã me lembrava à poucos minutos atrás: Amar é uma decisão. Eu completo: desabrochar nossa flor de Amor é uma decisão.  Um eterno movimento de orientar o coração na direção de se entregar ao presente, de simplesmente aceitar suas cores, aromas,  sol, chuvas ou tempestades com a humildade de quem sabe que pouco sabe do que jaz por trás dos véus que encobrem nossa verdadeira identidade. E confiar que o que tem de ser será. E o que foi, tinha de ter sido. Com-fiar. Fiar-com a vida, assumindo a autoria dos passos que damos... e também dos tropeços, quedas, rodopios e danças que damos. 

No final das contas, toda essa enxurrada de emoções se deu em poucos minutos. Novamente Chronos. Mas, no reino de Kairós, estes minutos se desdobraram em pura vida, alegria e o entendimento de que, o que realmente desejo para nós, mulheres e homens, é a sabedoria de saber transformar o lodo em flor, de transcender a prisão da auto-piedade estagnante para a liberdade de se saber co-criador da Vida... a cada acontecimento... a cada momento... a cada respira-ação. 

Pois, como já dizia o poeta, "tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo". (Walter Franco)

Isabela Crema - 08/03/2012

Elogio à menstruação



Menstruo porque sou mulher... porque desde que ajuntamos pó de estrelas suficientes para formar nosso corpo, a cada mês, o meu corpo, o meu TEMPLO, o fruto da engenharia perfeita da natureza, se prepara para proteger e nutrir a VIDA. E, se uma vida não é formada, despejo meu sagrado sangue para fertilizar a terra: um gesto de pura gratidão do meu Ser à Grande Mãe que nos nutre incondicionalmente.

Tenho TPM porque vivo numa sociedade que peleja pela falta de conexão, patriarcal e machista que teme tudo aquilo que não entende e, portanto, quer eliminar tudo aquilo que ameaça a sua ilusão de estabilidade, de permanência. Tenho TPM porque a pausa é parte fundamental de uma vida saudável, plena, feliz... Tenho TPM porque vivo num mundo que foi orientado a não respeitar as pausas, as nossas necessidades individuais. Nem as minhas, nem as de ninguém. 

Tenho TPM porque fui criada como um Ser sensível às vibrações de todos os níveis de realidade, não somente os mais visíveis, e tenho dentro de mim a sabedoria de ser um cana de comunicação entre eles. No entanto, vivo num mundo onde o Deus Chronos, com seus moldes, fôrmas, estruturas pré-definidas e tic-tacs devoradores da vida, persegue e crucifixa o Deus Kairós - padroeiro da criatividade, da espontaneidade, da liberdade...

Menstruo porque a natureza foi generosa para comigo e minhas irmãs - incrustou em mim a sabedoria da nossa avó Lua: a de saber esvasiar-se para, então, tornar-me plena novamente. Menstruo pois a LUA DENTRO DE MIM conhece os ciclos da VIDA e sabe, mesmo que bem lá no fundo, que é necessário saber MORRER para poder RENASCER, limpa de tudo aquilo que é velho, estagnado e não nos serve mais. Limpa de tudo aquilo que nos segura e aprisiona nossa liberdade de simplesmente Ser.

AMO menstruar - mesmo com minhas cólicas, seios inchados e outras formas que meu corpo encontra para me dizer: PARE, olhe para dentro - este momento é SEU (e não do seu chefe!) - pois tenho a coragem de experimentar a VIDA com tudo o que ela tem: com suas dores. e seus Amores... seus prazeres e desprazeres... seus absurdos e suas graças... e, a cada mês, recebo uma sublime lição sobre a IMPERMANÊNCIA de tudo o que existe. Não sou hoje a que fui ontem... nem serei amanhã a que hoje sou.

Fui criada para saborear brisas e tempestades e a VIDA dentro de mim PULSA pelo MOVIMENTO. 
Menstruar é movimentar, pura e simplesmente.

AMO menstruar pois acho pura POESIA viver as fases da lua dentro de mim... e as minhas fases me ensinam que é preciso humildade para compreender o SENTIDO de tudo aquilo que acontece.
A vida não evoluiu por milhões de anos para criar um ser que adoece a cada mês (como querem nos fazer acreditar alguns homens de jaleco branco): mais HUMILDADE, senhora medicina, fiel súdita da indústria farmacêutica e suas neuroses. Tens apenas poucas centenas de anos e tu simplesmente não existirias senão fosse a GENEROSIDADE da mesma natureza que nos criou assim como somos. Mais cuidados, senhores médicos: não se pode falar com propriedade daquilo que não se experimentou com seu próprio corpo, suas próprias emoções ou, pelo menos, a partir da sua capacidade de EMPATIA. 

Saúde, j;a dizia meu pai, é saber DANÇAR COM AS ESTAÇÕES. E as estações de fora são as mesmas de dentro.

MULHERES, temos a BENÇÃO de ter um corpo que flui com a VIDA à cada mês, não importa o quão desconectadas estejamos da HARMONIA do mundo natural em que habitamos. Deixaremos mais uma vez nos CALAR A VIDA que pulsa dentro de nós? Entregando nossos corpos, nossos TEMPLOS, para seres sem rostos e sorrisos em salas frias e ESTÉREIS para nos forçarem a nos adequar à um sistema que encontra-se profundamente doente?

E, no final, descobriremos que a questão não é menstruar ou não... não é descobrir se quem pari é a dupla mãe-bebê ou o médico... é se dar conta de que a inquisição ainda não terminou - apenas transformou sua forma de fazer calar o FEMININO em nós - uma forma cada vez mais sutil e, portanto, cada vez mais eficaz.

Isabela Crema - 05/07/2011 (Reflexões sobre o movimento "viva sem menstruar")