sábado, 29 de dezembro de 2012

Oração do dia



Chega...
Chega dessas correntes...
Chega das grades com as quais me vesti!

Cansei de ser marionete de decisões e planos inconscientes, brotados da dor da minha criança.
Cansei de consentir com o desejo alheio, fazer o que quer que seja para deixar outrem satisfeito
E, assim, renunciar aos meus próprios desejos e sonhos profundos...
Cansei de brincar de João bobo com o meu coração.

Basta desta necessidade de aprovação alheia...
Basta de mendigar amor...
Basta de confundir esse amor falso, mendigável, com o verdadeiro Amor.
Pois o que é verdadeiro vem de graça, vem da graça: não se vende, não se negocia, menos ainda se mendiga.

Chega de trair a mim mesma para agradar aos outros...
Chega de vender a minha liberdade por alguns trocados de estabilidade...
Chega de confundir estabilidade com paz ...
Chega de sufocar meu grito para não ser inconveniente...
Chega de assassinar a minha criatividade para ver-me incluída no grupo que convencionou-se chamar de “pessoas bem sucedidas”.

Porque estou cheia das minhas próprias mentiras...
Cansada do medo que inunda meu ser, e que me cega e me maltrata...
E perdida nos labirintos internos, espiralando vou...

Anseio mais que tudo amar-me a mim mesma...
Aceitar-me a mim mesma assim, como hoje sou...
Acolher minhas próprias dores e transformá-las num trampolim para o novo...

O novo... que traz consigo a promessa da liberdade a mim destinada...

Anseio mais que tudo, que minha auto-aceitação seja, para mim, o suficiente...
 para que eu abandone de vez esta estrada tão gasta quanto percorrida, abrindo caminho para a busca da trilha de mata virgem que sou destinada a desbravar.

Porque queima dentro de mim um fogo ardente
Ao imaginar-me a mim mesma
Correndo à beira-mar...
Cabelos soltos e pés descalços...
Despida de todos os medos que me podam as asas,
Rumo à lua cheia!
Com a alma nua e o coração em flor...
Pois quero ser andorinha a voar, desbravando nuvens, saboreando o vento, cantando a beleza da vida, planando sob o sol... 
Feliz por simplesmente ser e aqui estar.

Desejo, mais que tudo, ter o amor verdadeiro fluindo livre e abundante pelo meu coração...
Amor pela vida e tudo que nela respira...
Amor este que só é capaz de parir-se através do verdadeiro amor próprio...
...Amor próprio que hei de conquistar!

E entrego ao vento, ao mar e à lua cheia o meu desejo de que eu saiba ser de mim mesma a melhor amiga e companheira...
 Que eu aprenda a cuidar e velar pelo meu próprio coração...
 Que eu encontre dentro de mim mesma a paz de simplesmente ser o que sou...
E assim, viver plena de contentamento, simplesmente feliz, enraizada no presente do aqui e agora...
Para, assim, poder transpare-Ser...
Para, assim, poder irradiar o verdadeiro amor e cuidado para fora de mim mesma
E poder ser mais um raio de sol a iluminar a escuridão.

Esta é, hoje, a minha oração.

Que assim seja.
E assim será.

28/12/12

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Ladrão de Máscaras



Sempre Khalil Gibran...

"Um dia, muito antes de muitos deuses terem nascido,
 despertei de um sono profundo e notei 
que todas as minhas máscaras tinham sido roubadas
 – as sete máscaras que eu havia confeccionado e usado em sete vidas – 
e corri sem máscara pelas ruas cheias de gente gritando: “Ladrões, ladrões, malditos ladrões!”

Homens e mulheres riram de mim e alguns correram para casa, com medo de mim.

E quando cheguei à praça do mercado, 
um garoto trepado no telhado de uma casa gritou: 
“É um louco!” Olhei para cima, para vê-lo. 
E então o sol beijou pela primeira vez minha face nua.

Pela primeira vez, o sol beijava minha face nua,
 e minha alma inflamou-se de amor pelo sol, 
e não desejei mais minhas máscaras. 
E, como num transe, gritei: “Benditos, benditos 
os ladrões que roubaram minhas máscaras!”

Assim tornei-me louco.

E encontrei tanto liberdade como segurança 
em minha loucura: a liberdade da solidão 
e a segurança de não ser compreendido,
 pois aquele que nos compreende 
escraviza alguma coisa em nós".

Gibran Khalil Gibran


...Reticências...




Cansei!
Cansei de ser triste...
De ser vítima...
De ser injustiçada.

Cansei de ser a dona da verdade...
De dar conta de tudo... 
Ou melhor: de achar que dou conta de tudo.

Cansei de ser melhor que os outros...
Cansei de ser pior que os outros...

Cansei da vaidade que me habita
Que me consome por dentro e aprisiona a minha verdadeira beleza...
Que aduba a minha inveja e me ilude dizendo que o inimigo está lá fora...
Que me afasta da humildade e faz da arrogância uma morada segura.

Cansei de ser o que esperam que eu seja...
E também de tentar ser o que, um dia, acreditei  e decidi que eu deveria ser para me sentir amada.

Cansei de confundir amor com co-dependência...
De precisar agradar à tudo e à todos, desesperadamente
E, assim, passar os dias a mendigar migalhas de um pseudo-amor que aprisiona o meu viver.

Cansei de jogar tantos jogos...
De inflar o peito para esconder a minha insegurança...
De sorrir quando quero chorar...
De vender minha alma em troca de um sorriso...
De trair a mim mesma em troca da aprovação alheia...

Cansei de frustrar-me com minha pequenez...
Cansei de sonhar com essa grandeza, tão idealizada quanto mentirosa, de ser perfeita, de ser "ideal".

Ideal para quê?
Ideal para quem?

Como diria Lenine, "eu quero mais erosão... menos granito".

Quero agora a liberdade de ser simplesmente eu!
De conquistar a paz do contentamento...
De ser assim, do meu tamanho...
Com os meus amores...
Com as minhas dores...
Com a minha sombra...
E com a minha luz.

Quero fazer as pazes com a minha humanidade
e, por fazê-lo, poder enfim respirar fundo, aliviada...

Quero, verdadeiramente, agradecer por ser o que sou, aqui e agora...

E também agradecer por tudo o que já fui.
Por todos os caminhos percorridos...
Por todos os tropeços...
Por todos os buracos em que caí por descuido, por necessidade ou por inconsciente vontade. 

Quero viver o perdão verdadeiro.
Aquele que brota da consciência plena de que sou a única responsável pelos absurdos e pelas graças que vivo...
E que me liberta das correntes que me aprisionam no rancor, envenenam minha alma e apagam o meu brilho real.

Quero ser grata por todas as dores sentidas
Para, assim, poder transmutá-las em flor.

Quero ser grata por todas as bençãos recebidas
E, assim, desfrutar verdadeira e plenamente de toda a beleza desta vida.

Quero, enfim, aprender a me amar.
Aprender a acolher-me a mim mesma, profundamente...
Para, assim, poder acolher verdadeiramente ao outro
E, enfim, ter a com-fiança para entregar o meu coração e colocá-lo a serviço do Amor.

Quero sentir na pele, nos ossos e no coração a Unidade que sei ser verdadeira
Para, assim, ter a coragem de tornar-me a gota d'água que se entrega ao oceano e que, por fazê-lo, nele se transforma...

Quero lançar-me ao precipício e, repentinamente, lembrar-me de que, SIM!
Eu tenho asas! Eu sei voar!

Quero ter a coragem de assumir e amar tudo aquilo que sou...
De acolher a minha dor
E olhar-me com olhos de doçura e compaixão...
E, assim, poder apenas ser.
E, assim, permitir que o outro apenas seja.

Só isso.

Só.

Aqui e agora.

Mas sem ponto: reticências...


Isabela Crema, 10/12/2012

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Abordagem Transdisciplinar Holística e Educação: Um novo olhar para a construção de uma cultura de paz.




Compartilho aqui, com muita alegria, a minha monografia de conclusão do curso de Psicologia, escrita em 2008:

Abordagem Transdisciplinar Holística e Educação:
Um novo olhar para a construção de uma cultura de paz.
Autora: Isabela Crema

Foi um processo muito desafiador e muito delicioso escrevê-la: trabalhar o conceito de Transdisciplinaridade, traduzindo-o da linguagem da física quântica para o público das humanas foi muito complexo e excitante e, justamente por isso tudo, acredito que não é justo deixá-la "empoeirando" no meu hd, solitária e inútil, já que foi escrita em meio a tantos arrepios e descobertas, com tanto amor e fé!

:)

https://docs.google.com/file/d/0B9hLzrLPHH2iakRyb3BmMEEzRlk/edit

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Novo Ano



Amo fazer aniversário! AMO a sensação das portas abertas para a transformação que e entrada em um Novo Ano meu me dá... Sinto nas células o impulso de me lapidar para que, no novo ciclo, eu dê passos firmes na direção de ser uma pessoa cada vez mais consciente, cada vez mais aberta, caminhando cada vez mais firme na direção de expressar o que realmente sou, de derramar no mundo o que está por trás
 de todas as máscaras e escudos com os quais me vesti e que ainda carrego e que me escondem de mim mesma.

Amo fazer aniversário porque a celebração exige que nos encontremos com as pessoas que AMAMOS e que abraços e beijos e xamegos e bençãos sejam distribuídas ao vivo e a cores, à distância, através de sonhos, de devaneios, de arrepios e mensagens virtuais e, assim, a luz da lamparina lá de dentro recebe uma abundância do óleo mais doce que existe para brilhar mais e mais forte com a força do Amor que recebeu!

Amo fazer aniversário pois é uma ocasião maravilhosa para AGRADECER, do fundo do coração, por ter a benção de ter tantas pessoas A M A D A S na minha vida!!! Por ter a benção de ter tantos irmãos e tantas irmãs e tanto aconchego de tantos colos e de tantos abraços... e por saber que tenho tantas pessoas Amadas que conseguem me enxergar para além das minhas ilusões e mentiras e máscaras e, por fazerem isso, me dão força para prosseguir no caminho de revelar o que realmente sou para mim mesma, limpando de mim o que já não é mais para ser.

Hoje, tenho 2.9 de potência de (((AMOR))) e (((GRATIDÃO)))... por tudo o que já foi dito e por tanto que nunca conseguirei dizer...

E vamos em frente... crescendo o coração para dar conta do tanto que há de vir!

(((♥)))





(06/08/2012)

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Carta ao meu filho




Filho

Quero, antes de qualquer coisa, agradecer-te.
Agradecer-te por ter-me escolhido para ser sua mãe, dentre milhões de outras possibilidades.
Quero agradecer por ter chegado e virado minha vida de cabeça pra baixo, revelando o que há de melhor em mim...
Agradeço por revelar-me o oceano de Amor que habita minh’alma...
...por mostrar-me o encanto do desabrochar da vida e da consciência dentro dos seus olhos profundos, desde o primeiro instante em que saíste de dentro de mim...
...por inundar-me de um Amor tão puro e transbordante com seus sorrisos, seus trejeitos, suas graças e conquistas diárias rumo a liberdade à ti destinada.
Agradeço por fazer-me exercitar a musculatura da paciência dentro de mim, fazendo com que eu me torne, a cada dia, uma pessoa mais forte, mais tolerante e, portanto, melhor.

Filho, agradeço-te por ter virado minha vida de cabeça pra baixo e revelado o que de pior há em mim...
Compreendi, com sua chegada, que os filhos vêm do tamanho exato da nossa ferida e chegam para nos brindar com a oportunidade de lapidarmo-nos, de transformar e limpar a sujeira que jaz na mais profunda escuridão do nosso ser.
Agradeço por mobilizar-me diariamente com dificuldades que  trazem à tona tantas dores, tantos pactos, tantos sentimentos ocultos, negados ao longo de toda uma vida e, assim, dar-me a oportunidade diária de lançar LUZ sobre a minha sombra e dar passos concretos rumo à cura de minhas feridas.
Filho, agradeço-te por me brindar com a coragem de olhar para isso tudo e seguir no meu caminho de transformação me mostrando, na doçura do teu olhar e na pureza dos teus gestos, que eu posso ser, hoje,  uma pessoa e, logo, uma mãe melhor do que a que fui ontem.

Te agradeço, filho, e também te peço perdão...
Te peço perdão por cada vez que minhas dores me cegaram nos momentos de cansaço...
... por cada vez que te tratei como uma criança que não sabe o que quer e tomei decisões que não levavam em  consideração o seu desejo, a sua emoção, os seus sentimentos.
...por cada vez que o cansaço me consumiu e eu deixei-me anestesiar com atividades que me tornaram indisponíveis para você, mesmo estando dentro da mesma casa, da mesma sala...
...por cada vez que fui incapaz de decifrar a sua dor e a rotulei de manha e de chatice...
...por cada vez que fui incapaz de ler os teus sinais e acabei por exceder os seus próprios limites. Os seus e, também, os meus.
Peço perdão, filho, por tantos erros cometidos e por tantos erros que ainda cometerei, pois, filho, devo lembrar-te que escolheste uma mãe humana.
Uma mãe humana, cheia de defeitos e limitações...
Mas pode confiar filho! Escolheste uma mãe humana que, além de tantas contradições e limitações, tem também uma sede profunda pela transformação. 
Uma mãe cujo desejo de curar suas feridas e se tornar uma pessoa a cada dia melhor arde na alma e no coração...
Irei te decepcionar muitas vezes, filho... mas uma coisa posso prometer-te, meu amor... prometo-te estar sempre à caminho do meu ser real que é capaz de acolher-te e amar-te totalmente!

Filho amado do meu coração! Te agradeço, te peço perdão... e também te peço paciência.
...peço sua paciência pois sei que nascestes milhões de anos luz à minha frente e sei que vens de uma Tribo que vibra um som muitas oitavas acima da minha capacidade.
Peço sua paciência pois sei que tenho algumas coisas a te ensinar, mas sei também que tu tens um Universo inteiro a descortinar  diante dos meus olhos encantados e mareados de emoção...
Peço sua paciência, filho, pois desejo ser capaz de aprender tudo aquilo que o brilho do profundo dos teus olhos me anunciam.

E peço ao Universo, meu Amor, que eu saiba adubar bem a terra em que você se plantou com respeito total, conexão, justiça e nutrição... que eu saiba regar a sua terra com água cristalina, pura, límpida, refrescante e fluida, repleta de sentimentos e emoções verdadeiras... que eu saiba deixar passar toda a LUZ necessária para fazer brotar sua semente plenamente, para despertar, à cada dia, o teu ser e a tua missão... que eu saiba permitir que os ventos e os vendavais da vida cumpram sua missão de esculpir o seu ser, sem cair na armadilha da superproteção que sufoca e faz morrer a criatividade e a espontaneidade que tanto amo em ti.

Eu peço ao Universo, meu amor, que eu saiba, neste mundo de tanta concretude e concreto, ajudá-lo a manter os seus canais de comunicação com os anjos e as fadas, com os teus guias e aliados, com a beleza vibrante da vida e todas as formas de expressão do Grande Mistério nesta vida terrena, sempre limpos e livres para expressarem-se da forma que tiver de ser.

Eu te AMO, filho... e agradeço-te, do fundo da minha alma, por fazer-me reconhecer a fonte de amor que há em meu coração e por inundar-me diariamente com o ímpeto de fazer esta fonte jorrar e transbordar o meu ser.

Que eu saiba honrar tudo o que és...
Que eu saiba honrar tudo o que sou...
Que eu saiba honrar tudo o que somos...  
...agora e sempre...

"Nada posso lhe oferecer que não exista em você mesmo. Não posso abrir-lhe outro mundo além daquele que há em sua própria alma. Nada posso lhe dar, a não ser a oportunidade, o impulso, a chave. Eu o ajudarei a tornar visível o seu próprio mundo, e isso é tudo." 
Herman Hesse

Isabela Crema, 10/05/2012

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Dança, bailarina, dança!




Dança, bailarina, dança!
Abandona-te nas profundezas do oceano dentro de ti.
Desde que nascestes sois um movimento de eterno porvir...
Realiza a tua graça em forma de movimentos
E respire a liberdade de caminhar a trilha do seu próprio coração.


Dança, bailarina, Dança!
E deixe que o vento dance em teus cabelos.
Liberte o rio de Amor represado em teu coração
Para encantar o mundo com tua leveza de plumas soltas no ar.
Emane o teu perfume de eternidade presentificado no aqui e agora
E deixe que a vida baile através de ti.

Solta tua voz, bailarina!
Solta tua voz e canta!
Canta alto e grita!

Transborda a beleza resplandecente que mora em ti.
Se viestes ao mundo foi para acrescentar cores vivas à aquarela da Criação
E para soltar sons en-cantados à beira do precipício...

Pula, bailarina, pula!
Te entrega sem reservas ao sopro que te dá a Vida.
Mergulha na imensidão do abismo da Luz que há ti
E deixe que o teu corpo, a tua voz, o teu semblante e o fluir dos teus movimentos sejam os instrumentos do reencantar da vida no Novo Tempo.

Dança, bailarina, dança...
Realiza a profecia de se libertar das prisões que te cercam
Para que, encarnada, esteja sempre a vibrar o som celestial do Universo em ti.

Dança, bailarina, dança...
Recolha os pedaços soltos de ti.
E espalhe seus encantos como pó de estrelas brilhantes no céu da noite escura
Para despertar a beleza do mundo...
Para nos iluminar o caminho de volta para casa...
Para fazer amanhecer o novo dia no altar deste instante, no templo desta inspiração.

Dança, bailarina, dança...
E derruba os muros cinzentos que aprisionam nosso viver.
E rasgue todo tratado, todo contrato, todo documento, todo pacto que acorrenta a nossa liberdade, que apaga o nosso sorriso, que emudece o nosso canto e que entristece o nosso coração.

Dança, bailarina, dança...
E desperta em nós nossa Beleza sem receita e sem padrões.

Gira, bailarina, gira!
Que o aroma da tua dança é a inspiração criadora de toda vida...
Que a brisa dos teus movimentos é o solo fértil da nossa santa loucura...
Que o brilho da tua magia é a luz que acende a lua cheia...

Dança, bailarina, dança...
E incendeia teu coração com a divina inspiração...
E ilumina o teu Amor na entrega dos teus dons...
E preenche tua vida com a alegria do ser-viço...


Dança, bailarina, dança...
E sacode para longe de ti o peso de todos os apegos...
E liberte-se do pó de tudo aquilo que já passou...
E fecunde os desertos que habitam tua alma...


Morre, bailarina, morre...
Para que as cinzas do que foi fertilizem o solo para o renascer de tuas cintilantes cores... 
Para que tua dança seja eternamente jovem, pura, inocente, libertadora e renovadora.


Dança, bailarina, dança...
...E desperte a bailarina que habita em mim.


Isabela Crema, 04/05/2012

segunda-feira, 9 de abril de 2012

SIM



Toda cura começa com um SIM

O não é uma proteção necessária enquanto transitamos por uma parte do caminho em que estamos vulneráveis e é preciso preservar a nossa integridade para sobrevivermos às brisas e tempestades, aos chuviscos e enchentes, aos arco-íris e às insolações.

Enquanto estamos neste lugar, é fundamental aprendermos a nos proteger, a preservar o nosso espaço sagrado e não nos deixar ser invadidos. Esclarecer quais são os limites que nos permitem viver de forma agradável, saudável, equilibrada.

Faz parte da caminhada de um ser humano, quando ainda é uma pequena criança, aprender a dizer não para ter a sua subjetividade, a sua individualidade em formação, respeitada. Para afirmar-se diferente e especial à sua própria maneira e assumir a autoria dos seus próprios passos – diferentes dos de sua mãe, pai, irmãos e quaisquer outras pessoas que possam ser referência em sua vida.

Em alguns (ou muitos) momentos, é preciso saber dizer não para nós mesmos: para nos impedir de violarmos as necessidades do nosso corpo, da nossa mente, das nossas emoções, da nossa alma, do nosso espírito. Para, cansados deste lenga-lenga, dar o primeiro passo para fazer-nos cessar os jogos destrutivos nos quais entramos e criamos, para decidir reorientar a força da nossa inveja, da nossa mesquinhez, da nossa vingança, da nossa manipulação...

A escolha de seguir o seu caminho, de seguir a trilha do seu próprio coração, começa quando conseguimos dizer não para os trilhos há muito inventados por uma humanidade que construiu o mundo que hoje vemos colapsar.

Seguir o chamado do coração para realizar a sua tarefa, a sua missão única e intransferível nesta existência, começa quando decidimos por um fim aos nossos jogos de manipulação, ao apego à esta identidade que passamos décadas e décadas construindo - este mosaico de máscaras mentirosas que montamos para nos proteger da dor quando ainda não tínhamos forças suficientes para nos sustentar na nossa identidade REAL e essencial. E isso tudo, é dizer: Não! Chega! Basta! Cansei!

O não nos protege por uma parte da caminhada e nos ajuda a nos libertar de muitas prisões... Porém, mais tarde, ele mesmo se torna a própria prisão! E as imagens e idéias que temos, lá no profundo dos cantinhos escuros da nossa alma, do que nós deveríamos ser, tornam-se as nossas mais fiéis e cruéis carcereiras.

Neste ponto da caminhada, o não rima com prisão, e é somente com o SIM, todo em letras maiúsculas, que conseguimos, de fato, atravessar o caminho rumo ao encontro de nós mesmos.
Toda cura começa com um SIM.

É somente quando conseguimos olhar de frente e encarar com Amor e compaixão toda essa nossa dor, todas as nossas falhas e contradições, toda essa expectativa irreal que temos em relação à nós mesmos, toda essa vingança e raiva escondida por trás de meios-sorrisos e dizer SIM, sinceramente, SIM, que abrimos espaço para a verdadeira e derradeira cura acontecer.

SIM, em letras maiúsculas, é a total aceitação de tudo aquilo que somos neste momento...

SIM para o Divino em mim...

SIM para a escuridão em mim...

SIM para meus dons, meus talentos...

SIM para as minhas fraquezas e defeitos...

SIM para as bênçãos que recebo da Vida...

SIM para as tempestades que recebo da Vida...

SIM, em letras maiúsculas, é o reconhecimento e aceitação do tamanho que temos hoje. Do que nos é possível realizar aqui e agora e nada mais.  

SIM, em letras maiúsculas, guarda, dentro de si, uma sede insaciável de plenitude, de auto-realização, de transmutação do lodo que hoje somos na lótus multicolorida que estamos destinados a nos transformar quando rompermos as correntes com as quais nos aprisionamos quando nos esquecemos de quem realmente somos.

Quando conseguimos dizer SIM com letras maiúsculas, é sinal de que estamos caminhando na direção do lugar em que não mais será necessário nos defender, nos proteger atrás dos nossos nãos... estaremos chegando na terra da confiança.


Pois o SIM é a entrega, a pura com-fiança de que o que quer que tenha que ser será... É a simples e sublime aceitação de todos os presentes com que a Vida nos presenteia, sejam eles doces ou amargos, quentinhos ou gelados, macios ou ásperos, gostosos ou doloridos... pois tudo é aprendizado. Tudo é oportunidade de lapidação, de evolução. Como diz o Guruji, se bateu na sua porta, é seu.

O SIM é o portal da total transformação.  É a ponte que nos leva de volta para o nosso lar verdadeiro, pois quanto mais aceitamos o que estamos sendo, mais pertinho estamos de quem realmente somos.

SIM, em letras maiúsculas, é o mantra da confiança total.

SIM, em letras maiúsculas, é o mantra da entrega total.

Somente o SIM, em letras maiúsculas, é capaz de fazer-nos transbordar o Amor que somos.

E não é para isto que estamos aqui? Para exalar o perfume do nosso Amor em cada ação? Para oferecermos o nosso Amor em forma de serviço em benefício de toda a vida nesta terra? Para plantarmos sementes de Amor para ofertar às futuras gerações e entregar à Grande Mãe e ao Pai Celestial em pura gratidão?

SIM, em letras maiúsculas, é a total confiança no Amor...

SIM, em letras maiúsculas, é a total entrega de tudo que somos ao Grande Amor...

SIM é o próprio Amor...

SIM...

sábado, 31 de março de 2012


"Faltam-te pés para viajar? 
Viaja dentro de ti mesmo,
e reflete, como a mina de rubis,
os raios de sol para fora de ti.

A viajem conduzirá ao teu ser,
Transmutará teu pó em ouro puro"

Rumi

sexta-feira, 9 de março de 2012

Eu sou



Sou mulher pé no chão.
Sou menina sonhadora.
Sou mãe, filha, irmã, esposa e amiga.

Sou jovem alegre e cheia de energia.
Sou velha enrugada, profunda e misteriosa.

Corre dentro de minhas veias o sangue indígena de todas as Nações.

Batucam, dentro do meu peito, todos os tambores da África.

Sou cabocla, sou semente, o ocidente e o oriente.
Sou Amante de loucuras transgressoras e mora dentro de mim uma eterna rebelde.
Rebelde com causa, incapaz de presenciar uma injustiça sem mergulhar na dor que se esconde por trás das cortinas alegres e coloridas com que me visto para enfrentar o lindo e cruel mundo em que me plantei.
Sou rebelde sem causa, só pelo gosto gostoso de dizer não.

Sou candanga de nascença e baiana de coração.

Minha alma é poeta, é artista, eterna amante da sutil beleza que jaz nas pequenas coisas, gestos e palavras. Amo os detalhes, as pequenezas, o microscópico desvelar da vida pulsante num pólen de flor.

Sou terapeuta, sinto a dor do mundo.
Sou educadora, acredito na luz que se esconde por trás de dentes cerrados, punhos fechados e caras amarradas.

Sou Amante da natureza, dos animais, flores e estrelas. Me encanta os cantos dos pássaros, das cigarras, do rio, do vento e do mar... o zumbido de abelhas, o fogo queimando, o assusta-a-dor som do trovão.

Sou o suingue da batida do afoxé, o molejo, o rebolado e o prazer.
Sou a rigidez da bailarina de balé, de tempo acertado, corpo encaixado e calos nos pés.
Sou a nudez sem pudores e sou a casta e insípida freira, no alto de seu trono superior.

Sou a gota que teme desaparecer no oceano... As amarras e escudos que me protegeram da dor e que, hoje, me escondem de mim mesma.

Sou o Amor que teme Amar.

Sou a liberdade que teme se entregar.

...Mas...
...

...No mais profundo de mim mesma, nada disso sou...

Profusão de cores, aromas, formas e matizes com que me pintei para celebrar a beleza da vida, para sofrer a dor da existência... nada mais é todo esse pequeno “eu sou”.

Por trás de toda a maquiagem, simplesmente, EU SOU...

Por trás de toda máscara, simplesmente, EU SOU...

Por trás de toda mentira, simplesmente, EU SOU...

Por trás de todas as defesas, simplesmente, EU SOU...

...EU SOU... sem definições...
...EU SOU... sem julgamentos...
...EU SOU... sem limites...

Por trás de toda a dor... EU SOU PURA ENTREGA.
Por trás de toda a dor... EU SOU O PURO AMOR.

...EU SOU...
...EU SOU...
...EU SOU...

Isabela Crema - 09/03/2012

quinta-feira, 8 de março de 2012

Dia das Mulheres


Ontem, saindo de casa, saí do carro para abrir o portão. Ao lado do portão velho e quebrado, em meio ao mato mal-cortado, num lugar bem pouco cuidado do terreno, estava um lírio que acabara de florescer. Duas flores lindas, como sempre são os lírios, só que cor-de-rosa... Me en-cantei com a cena mas, atrasada para levar meu filho para a escola, desliguei minha função "coração transbordante" e liguei o automático. Matei Kairós que começava a me inundar de um calor criativo, amoroso e cor-de-rosa - assim como as flores - e dei as mãos à Chronos, o guia e mentor da minha falta de ar e falta de paz-ciência no trânsito. 

Mas o Universo não se cansa de nos mostrar o caminho do coração e, no dia seguinte - exatamente hoje - novamente, lá estavam elas... abertas, radiantes, perfumadas e cor-de-rosa. Dessa vez dispensei Chronos e fui, de mãos dadas com Kairós, dar um cheiro em tamanha beleza e delicadeza. Aceitei o presente do Mistério, fiz as pazes com o presente e fiquei alguns instantes me deliciando com o mistério da bela flor que nasceu num improvável chão, sentindo o pulmão livre para respirar o perfume doce do aqui e agora. 

Voltei ao carro e, ainda tomada pela beleza do instante que se passara, me dei conta de que hoje é o dia das mulheres. Dia que foi criado para honrar a força feminina amorosa, poderosa e absolutamente transformadora das mulheres que, no dia 8 de março de 1957, foram queimadas vivas na fábrica onde trabalhavam por a terem tomado em uma greve onde elas reivindicavam a redução de 16 horas de trabalho diário para 10. Elas recebiam menos de um terço do salário dos homens que desempenhavam a mesma função. 

Subitamente compreendi o sentido de tudo isso que vivenciei... Estas flores são como um espelho do feminino. Uma ode ao poder doce, à ternura enraizada, ao perfume que se entrega com total consciência da sua missão criadora e preservadora da VIDA que é a força do feminino bem integrado. Uma poesia feita em memória à todas as mulheres que se entregaram na luta pela liberdade.

Elas foram o presente do Amor para o meu dia das mulheres. Um lembrete de que, não importa em qual terreno, com quanto cuidado e em quais condições climáticas ou físicas nossa semente se plantou: temos, dentro do nosso coração, todo o potencial para desabrochar nosso Ser em flor. 

Uma irmã me lembrava à poucos minutos atrás: Amar é uma decisão. Eu completo: desabrochar nossa flor de Amor é uma decisão.  Um eterno movimento de orientar o coração na direção de se entregar ao presente, de simplesmente aceitar suas cores, aromas,  sol, chuvas ou tempestades com a humildade de quem sabe que pouco sabe do que jaz por trás dos véus que encobrem nossa verdadeira identidade. E confiar que o que tem de ser será. E o que foi, tinha de ter sido. Com-fiar. Fiar-com a vida, assumindo a autoria dos passos que damos... e também dos tropeços, quedas, rodopios e danças que damos. 

No final das contas, toda essa enxurrada de emoções se deu em poucos minutos. Novamente Chronos. Mas, no reino de Kairós, estes minutos se desdobraram em pura vida, alegria e o entendimento de que, o que realmente desejo para nós, mulheres e homens, é a sabedoria de saber transformar o lodo em flor, de transcender a prisão da auto-piedade estagnante para a liberdade de se saber co-criador da Vida... a cada acontecimento... a cada momento... a cada respira-ação. 

Pois, como já dizia o poeta, "tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo". (Walter Franco)

Isabela Crema - 08/03/2012

Elogio à menstruação



Menstruo porque sou mulher... porque desde que ajuntamos pó de estrelas suficientes para formar nosso corpo, a cada mês, o meu corpo, o meu TEMPLO, o fruto da engenharia perfeita da natureza, se prepara para proteger e nutrir a VIDA. E, se uma vida não é formada, despejo meu sagrado sangue para fertilizar a terra: um gesto de pura gratidão do meu Ser à Grande Mãe que nos nutre incondicionalmente.

Tenho TPM porque vivo numa sociedade que peleja pela falta de conexão, patriarcal e machista que teme tudo aquilo que não entende e, portanto, quer eliminar tudo aquilo que ameaça a sua ilusão de estabilidade, de permanência. Tenho TPM porque a pausa é parte fundamental de uma vida saudável, plena, feliz... Tenho TPM porque vivo num mundo que foi orientado a não respeitar as pausas, as nossas necessidades individuais. Nem as minhas, nem as de ninguém. 

Tenho TPM porque fui criada como um Ser sensível às vibrações de todos os níveis de realidade, não somente os mais visíveis, e tenho dentro de mim a sabedoria de ser um cana de comunicação entre eles. No entanto, vivo num mundo onde o Deus Chronos, com seus moldes, fôrmas, estruturas pré-definidas e tic-tacs devoradores da vida, persegue e crucifixa o Deus Kairós - padroeiro da criatividade, da espontaneidade, da liberdade...

Menstruo porque a natureza foi generosa para comigo e minhas irmãs - incrustou em mim a sabedoria da nossa avó Lua: a de saber esvasiar-se para, então, tornar-me plena novamente. Menstruo pois a LUA DENTRO DE MIM conhece os ciclos da VIDA e sabe, mesmo que bem lá no fundo, que é necessário saber MORRER para poder RENASCER, limpa de tudo aquilo que é velho, estagnado e não nos serve mais. Limpa de tudo aquilo que nos segura e aprisiona nossa liberdade de simplesmente Ser.

AMO menstruar - mesmo com minhas cólicas, seios inchados e outras formas que meu corpo encontra para me dizer: PARE, olhe para dentro - este momento é SEU (e não do seu chefe!) - pois tenho a coragem de experimentar a VIDA com tudo o que ela tem: com suas dores. e seus Amores... seus prazeres e desprazeres... seus absurdos e suas graças... e, a cada mês, recebo uma sublime lição sobre a IMPERMANÊNCIA de tudo o que existe. Não sou hoje a que fui ontem... nem serei amanhã a que hoje sou.

Fui criada para saborear brisas e tempestades e a VIDA dentro de mim PULSA pelo MOVIMENTO. 
Menstruar é movimentar, pura e simplesmente.

AMO menstruar pois acho pura POESIA viver as fases da lua dentro de mim... e as minhas fases me ensinam que é preciso humildade para compreender o SENTIDO de tudo aquilo que acontece.
A vida não evoluiu por milhões de anos para criar um ser que adoece a cada mês (como querem nos fazer acreditar alguns homens de jaleco branco): mais HUMILDADE, senhora medicina, fiel súdita da indústria farmacêutica e suas neuroses. Tens apenas poucas centenas de anos e tu simplesmente não existirias senão fosse a GENEROSIDADE da mesma natureza que nos criou assim como somos. Mais cuidados, senhores médicos: não se pode falar com propriedade daquilo que não se experimentou com seu próprio corpo, suas próprias emoções ou, pelo menos, a partir da sua capacidade de EMPATIA. 

Saúde, j;a dizia meu pai, é saber DANÇAR COM AS ESTAÇÕES. E as estações de fora são as mesmas de dentro.

MULHERES, temos a BENÇÃO de ter um corpo que flui com a VIDA à cada mês, não importa o quão desconectadas estejamos da HARMONIA do mundo natural em que habitamos. Deixaremos mais uma vez nos CALAR A VIDA que pulsa dentro de nós? Entregando nossos corpos, nossos TEMPLOS, para seres sem rostos e sorrisos em salas frias e ESTÉREIS para nos forçarem a nos adequar à um sistema que encontra-se profundamente doente?

E, no final, descobriremos que a questão não é menstruar ou não... não é descobrir se quem pari é a dupla mãe-bebê ou o médico... é se dar conta de que a inquisição ainda não terminou - apenas transformou sua forma de fazer calar o FEMININO em nós - uma forma cada vez mais sutil e, portanto, cada vez mais eficaz.

Isabela Crema - 05/07/2011 (Reflexões sobre o movimento "viva sem menstruar") 


sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

...2012...


Renova-te.
Renasce em ti mesmo.
Multiplica os teus olhos, para verem mais.
Multiplica-se os teus braços para semeares tudo.
Destróis os olhos que tiverem visto.
Cria outros, para visões novas.
Destróis os braços que tiverem semeado,
Pare se esquecerem de colher.
Sê sempre o mesmo.
Sempre outro. Mas sempre alto.
Sempre longe.
E dentro de tudo

Cecília Meireles

Auto-retrato

 Saint Lunaire, França

"A vida é o que fazemos dela.
As viagens são os viajantes.
O que vemos não é o que vemos,
Senão o que somos"

Fernando Pessoa

Via Del Amore, Riomaggiore, Cinque Terre - Itália.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O Absurdo e a Graça no meu Quintal

Nesse final de semana conheci de verdade e muito, muito de perto, o PODER do fogo... Bateu na porta dos meus dois lares – na da minha casa e na da UNIPAZ. 

Ouvi, impressionada, o som das chamas engolindo a mata num volume que me paralisou!

O primeiro sentimento foi o de medo... me dei conta, mais uma vez, da nossa finitude, do quão somos frágeis... e sentir isso com o filho no colo é de fazer parar o coração... 

Em seguida veio a tristeza... um pesar pela vida das flores, árvores e bichos... vi camundonguinhos pulando de medo, um batalhão de grilos refugiados na nossa garagem, muitos carcarás e gaviões rodando os ares à espera do churrasquinho.

Depois veio, de mansinho, um sentimento bom ao abrir a janela no dia seguinte e sentir o cheiro das cinzas no ar... um sentimento de renovação. 

Mas aí, fogo de novo!

Um sentimento de que as coisas não estão mais nos seus devidos lugares, de desorganização caótica... mais uma vez uma tristeza, desta vez acompanhada pela raiva.

Mas um novo dia sempre chega e, com ele, novos insights, novas possibilidades de compreensão. 

Fui até o fundo do terreno onde moramos, depois do cafezal - totalmente destruído pelas chamas. 

Chegando lá, me deparei com o MILAGRE da VIDA, mais uma vez encantando meu olhar, me lembrando de que nossa percepção, geralmente, é demasiadamente curta e superficial para compreender o Mistério que há por trás de tudo que acontece.

Chegando no fundo do quintal, no meio das cinzas, sete pés de mexerica, mais alguns de laranja e limão amarelo, transbordando em frutos. As cinzas banhavam seus pés, pois o fogo que ali passou queimou tudo, tudo, tudinho... menos elas! 

Elas, que estavam grávidas da vida dos próximos pezinhos de mexericas, segurando firmes suas cápsulas de sementes deliciosamente protegidas, não  queimaram! De tudo o que havia em volta, sobraram apenas cinzas... mas com elas foi diferente!

Numa fração de segundo, vi o absurdo e a graça no meu quintal!

Paralisei diante de tamanha beleza! Arrepiei me dando conta de que o fogo – esse sagrado fogo que aqui queimou – levou uma camada da vida para desvelar uma outra que estava, até então, encoberta. 

Encoberta e deslumbrante! Encoberta e enlouquecida para compartilhar sua beleza e abundância. Porque a BELEZA e a ABUNDÂNCIA existem para serem compartilhadas... se não o fossem, pra que existiriam?

Mais uma vez me dei conta dos meus julgamentos - aquilo que penso que sei quando estou na ilusão de que sou separada de tudo e tudo é separado entre si. 

O julgamento de que o fogo é somente destruidor. De que o fogo gera somente desolação, medo e dor.  

Por um momento me esqueci do seu poder transmutador, da sua função essencial de destruir tudo o que é velho e precisa morrer... para que o NOVO possa nascer, adubado pelas cinzas daquilo que passou. 

Esqueci porque é mais fácil honrar a FORÇA da Vida quando ela se manifesta de uma forma mais branda, contida, controlada e, por que não, agradável aos sentidos. De uma forma que não ponha nossas certezas e apegos em perigo iminente. Porque fomos criados numa cultura que cultua a busca pela permanência das coisas e por uma ordem inventada, muitas vezes em desarmonia com a ordem cósmica que abriga em si a ordem, mas também o caos. 

Nietsche já dizia que “é preciso ter o caos dentro de si para fazer nascer uma linda estrela bailarina”. Assino embaixo.

O meu mais novo mestre, o fogo, me lembrou que a morte faz parte da vida. Me fez recordar que a morte é uma transformação da vida. Transformação capaz de beneficiar tudo aquilo que fica, na forma de adubo para suas raízes - sejam elas raízes físicas, emocionais, espirituais. É necessário, porém, olhos físicos para ver e olhos sutis para sentir e intuir essa verdade.

O meu mestre fogo me fez recordar que a morte é uma iniciação. E que toda iniciação implica em sofrimento. E que cada sofrimento nos faz mais fortes quando somos capazes de lhes dar um sentido e, assim, atravessá-lo. E que todo sofrimento, visto do ponto de vista de dimensões mais sutis, é apenas mais uma ilusão.

O meu mestre fogo me fez recordar que uma morte é uma preparação para um renascimento...

Mais um dia, mais uma lição... Mais arrepios e encantamentos... 

E o que ficou foi a emoção, a gratidão e a vontade de compartilhar... a abundância, a beleza e a ALEGRIA de fazer parte de um mundo tão inesgotavelmente belo! 

 




Isabela Crema - 08/08/2011

De volta ao berço original

(A Voz das Avós - Encontro do Conselho Internacional das 13 avós nativas - 10/2011 - UNIPAZ DF. Foto de PH Nagô)




Ouvi de uma avó que precisamos nos tornar indígenas – todos nós. Demorei para entender racionalmente esta frase, mas meu coração captou sua essência no mesmo momento, fazendo transbordar a água do meu ser, como de costume.

Precisamos, todos, nos tornar indígenas. Precisamos acordar aquela parte do nosso Ser que anseia, mais do que tudo, a voltar para a Terra, a sentir conscientemente a conexão profunda que temos com tudo o que há, como seres vivos que somos, filhos de uma mesma mãe, tecidos pela mesma Força Criadora que criou todo o universo em perfeita harmonia.

Voltar para a terra, acordar a comunicação com todos os seres de todas as espécies e reinos.
No sentido colocado pela avó, um indígena não é capaz de contemplar este mundo de infinita beleza e enxergar nele uma forma de se ganhar dinheiro ou de se explorá-lo pra seu próprio benefício. Um indígena olha para esse mundo e tudo que ele é capaz de fazer é, antes de tudo, AGRADECER. Depois, simplesmente viver... O indígena não é um ser que está na terra. Ele é um ser DA TERRA.

Ser esse indígena é conhecer aquele provérbio “o que fazes à Terra, fazes a ti mesmo” dentro do próprio coração... é ter essa sabedoria, essa conexão fluindo dentro das veias, correndo pelo seu sangue, passando por dentro dos seus ossos, pois sabe que, assim como todos os animais e plantas, o seu corpo é uma extensão do corpo de Gaia, do corpo de Pachamama.

Ser indígena é saber honrar os seus ciclos e os ciclos da terra – que são os mesmos – porque isso é o que, de fato, existe! Não importa o quão desconectado o homem esteja: após o dia, vem a noite. Terminado o inverno,  chega a primavera. Os solstícios e equinócios, os movimentos das estrelas não param porque nós não estamos prestando atenção.

Não importa o quão desconectada uma mulher esteja do seus ciclos, o seu corpo continua seguindo a pulsação da Lua. Nossas crianças continuam a nascer nas transições de uma fase para outra. A Avó lua continua a reger todas as águas do nosso planeta, inclusive a que se encontra dentro de nós mesmos, independentemente de estarmos conscientes disto ou não. Os astros, lá no céu, exercem a sua influência nos nossos humores, disposições e potencialidades mesmo que ignoremos completamente o seu poder e, até mesmo, a sua existência.

Quanto aos dias, meses, horas, minutos e segundos: no dia em que todos os relógios e calendários do mundo pararem, eles também encontrarão seu fim. O tempo artificial - regente desta forma atual de estar no mundo, que controla e engole nossas vidas - depende de alguma estrutura igualmente artificial para se manter. O fluir das estações do ano, não. As tartarugas marinhas retornam todo ano para a praia onde nasceram para colocar seus ovos sem relógio, mapas, calendários e fotografias. Os pássaros migram de uma terra para outra sem o auxílio da meteorologia ou de um calendário que os digam que chegou a hora de partir.

A reconexão com a Terra parte de uma atitude de humildade em relação à todos os reinos que compartilham conosco este lindo lar. Parte de uma reaproximação com os elementos originais, dos quais toda a vida necessita para existir. O nosso corpo é feito de terra, água, ar e fogo. Nos alimentamos da terra, da água, do ar e do fogo. Construímos nossas casas, escolas, edifícios, indústrias e tudo o mais, com terra, água, ar e fogo.

Idolatramos o nosso corpo, as nossa edificações, os nossos avanços científicos, mas nos esquecemos de honrar a fonte de tudo isso: a matéria-prima VIVA sem a qual nada disso seria possível.
Idolatramos isso tudo e, no entanto, devastamos nossas florestas para tornar o sistema atual sustentável... Imaginem os seres humanos vivendo nesta terra sem a companhia das árvores que inspiram o que expiramos e expiram o que inspiramos. Que nos ofertam sombra, frutos e madeira para que possamos nos aquecer e nos abrigar...

Idolatramos o avanço da nossa medicina moderna e da indústria farmacêutica e, no entanto, exterminamos nossos povos tradicionais, guardiões da sabedoria do reino vegetal e sua medicina, de onde os pesquisadores extraíram e continuam a extrair seus conhecimentos sobre quais princípios ativos curam quais doenças.  Matamos milhares de espécies de plantas para plantar um único tipo para alimentar o gado que alimenta uma minoria enquanto milhares de pessoas morrem de fome todos os dias... Imaginem os seres humanos vivendo nesta terra sem a companhia das plantas que embelezam e perfumam, que nos alimentam e a tantos outros seres e que nos curam com sua medicina...

Idolatramos nossos carros e suas potências e, no entanto, tratamos os animais que os inspiraram como escravos. Acabamos com seus habitats, os torturamos em pesquisas científicas... Imaginem os seres humanos vivendo nesta terra sem a companhia dos animais... sem o canto dos pássaros e das cigarras, sem as baleias, peixes e golfinhos no mar... sem os cães e gatos , nossos companheiros fiéis de vida... Sem a onça pintada, os tigres, elefantes, leões, capivaras, tamanduás, tucanos, araras, papagaios... Que cor teria nossa Terra sem eles?

Idolatramos nossa indústria alimentícia, adoramos comer coisas diferentes e, no entanto, exterminamos nossos insetos e os chamamos de pragas quando damos de cara com um número anormal deles em nossas plantações por um desequilíbrio causado por NÓS (quem mesmo é a praga?)... Imaginem os seres humanos vivendo nesta terra sem a companhia dos insetos que servem de alimento para tantos outros seres, que polinizam as flores e são responsáveis pela abundância de cores, perfumes e sabores na terra... Imaginem uma Terra sem as abelhas, borboletas, cigarras, mariposas, libélulas, grilos... Que som teria nossa terra?
A vida no nosso planeta é como uma teia: elimine um dos seus fios e todo o resto murchará! Não somos mais importantes que as areias do mar. Não somos mais especiais que as árvores ou o carcará ou a águia ou as raposas ou o jacaré.

Mas uma coisa nós, seres humanos, temos que nos diferencia dos outros seres que habitam esta linda terra: nós temos CONSCIÊNCIA. E, quanto mais consciência, maior a responsabilidade!

As avós do Conselho Internacional das 13 avós Indígenas nos lembram: Esta Terra nos foi CONFIADA pelo Grande Mistério e temos a MISSÃO e RESPONSABILIDADE de Amá-la, cuidá-la e protegê-la.
A responsabilidade sobre a situação em que nos encontramos é única e exclusivamente NOSSA. A responsabilidade de TRANSFORAMÁ-LA, da mesma forma, é NOSSA.

É chegada a hora de pararmos de atribuir a culpa à outras pessoas, líderes ou nações. Isso toma tempo e energia que podemos reverter em AÇÃO CONCRETA para a RECONSTRUÇÃO do nosso jardim.
É chegada a hora de ASSUMIRMOS A RESPONSABILIDADE de TRANSFORMARMOS esse mundo. E a única forma disto acontecer é a de NOS transformarmos primeiro: a verdadeira REVOLUÇÃO acontece de DENTRO PARA FORA, pois se assim não for, será apenas mais uma ação superficial.

Se reconectar com o tempo natural é honrar o ventre de onde viemos e para onde voltaremos. É honrar a presença e a importância essencial dos nossos irmãos de todos os reinos e espécies que aqui foram postos para sustentar a VIDA na Terra e não para servir aos nossos caprichos, excessos e egoísmo.
Conhecer os ciclos naturais é se conectar com os ciclos internos, pois todos fazemos parte de uma mesma Vida pulsante.

Conhecer os ciclos internos é retomar o nosso poder pessoal. É saber, de dentro pra fora, quando é tempo de retiro, de descanso, e quando é chegada a hora da ação. É saber quando é tempo de semear novas idéias e quando é tempo de colher desta semeadura, pois o impulso que vem de dentro do nosso Ser nos impele nesta ou naquela direção porque estamos alinhados com a Teia cósmica da Vida.

É sabermos que temos RESPONSABILIDADE sobre tudo o que pensamos, dizemos e fazemos, e que tudo isto transforma o mundo onde nossos filhos, netos e bisnetos viverão. E que a EDUCAÇÃO que damos aos nossos filhos, netos e bisnetos influenciará suas escolhas no futuro, o que transformará o mundo em que seus filhos, netos e bisnetos viverão.

O mundo que deixaremos para os nossos filhos e os filhos que deixaremos para o nosso mundo são duas faces de uma mesma questão essencial cuja RESPONSABILIDADE encontra-se completamente em nossas mãos.

O mundo em que nascemos encontra-se à beira de um colapso, que já se iniciou. É chegado o tempo de acabarmos com a ILUSÃO de que existem questões mais importantes a serem tratadas neste momento que não sejam a construção de uma nova forma de viver no nosso planeta. É chegada a hora de olharmos com seriedade para o sistema que criamos e aceitar o seu fracasso para, então, partir para a edificação de uma forma de viver, em harmonia com o cosmo.

Basarab Nicolescu já nos apontou, há muito anos, que chegamos ao ponto em “ que temos a escolha de evoluir ou desaparecer”... E eu oro, por Amor à minha Mãe Terra e à todos os meus irmãos de todos os reinos, por Amor ao meu filho e aos meus netos e bisnetos que hão de vir, que nossa escolha seja pela EVOLUÇÃO. A verdadeira Evolução - aquela que nos brindará com os frutos de tudo aquilo que, AGORA, plantamos.

A semeadura já começou. Se não gostamos do que estamos a colher, é porque é chegada a hora de plantarmos novas sementes, de uma nova forma, com um novo propósito e com Amor renovado.

Metakuye Oyasin, por todas as minhas relações.

Que assim seja.
HO!


Isabela Crema - 11/2011