sexta-feira, 22 de março de 2013

Eu-Natureza


Sempre achei muito sintomático o fato de falarmos "da" natureza na terceira pessoa. Como se "ela" estivesse fora de nós... Como se não nos dissesse respeito... Como se nela pudéssemos entrar e sair...

Nos referimos à esta estranha entidade, misteriosa e perigosa, como se os elementos que constituem os nossos corpos fossem diferentes dos que habitam os coelhos e os lobos, as frutas e árvores, as conchas do mar e as gaivotas, as formigas e peixes, as cavernas e os oceanos...

Como se a água dos nossos corpos fosse diferente das que correm nos rios, brotam das nascentes e despencam do céu nas tempestades... Como se o sal das nossas lágrimas fosse diferente do sal do mar... como se os nossos ossos fossem compostos de outros elementos que não os presentes nas grutas calcárias, nas pedras e rochedos... Como se o nosso sangue fosse diferente do sangue dos lobos, dos tamanduás, dos beija-flores, dos peixe-bois, dos golfinhos e dos macacos. Como se o ar que respiramos fosse diferente daquele produzido pelas árvores, plantas e algas marinhas e que sustenta a vida de todos os outros animais desta terra.

É tão simples... quando eu morrer meu corpo adubará os campos... adubará os campos após alimentar uma infinidade de pequeninas vidas que, do alto na nossa arrogância humana, consideramos inferiores... pequeninas vidas "inferiores" capazes de manter o equilíbrio do sistema vivo do qual fazemos parte para que possamos curtir a beleza dessa vida... ou nos empenharmos em nos separar daquilo que somos enquanto destruímos a casa que é a nossa própria, sem nem saber.

E ainda nos gabamos de sermos o topo da cadeia alimentar... Acreditando que evolução é estar separado e distante da terra, pisando em chãos de acrílicos com solados de borracha, entupindo e viciando nossos sentidos com aromas, imagens, sabores e sensações plásticas e artificiais. Ensurdecendo nossos ouvidos com ruídos mecânicos que impedem que a melodia da vida nos penetre a alma...

Falar da natureza na terceira pessoa é atestar que estamos adormecidos para o fato de que SOMOS natureza... É consentir na coisificação de tudo o que sustenta a nossa vida, pois para que consigamos destruir algo é preciso, primeiro,  que não nos sintamos parte deste algo. Pois como eu destruiria o meu próprio corpo, a minha própria casa, a minha fonte de nutrição e saúde, sendo uma pessoa sã?

Acreditarmos na ilusão de que somos separados foi o que nos permitiu escravizar-nos uns aos outros. É o que nos autoriza internamente a usar outras pessoas e animais, a destruir nossas florestas e sistemas naturais, a jogar bombas de um avião em alguma cidade de outro país...

A natureza não existe. Essa estranha forasteira que, por ser outra e não eu mesma, pode ser vendida, extorquida, humilhada, devastada e explorada simplesmente não existe.

O que existe é o fato de que tudo o que fazemos com este “outro”, fazemos à nós mesmos pelo simples fato de esse outro ser apenas um fruto da nossa imaginação. Cedo ou tarde, tudo o que causamos “lá fora” baterá na nossa porta. Cedo ou tarde, tudo o que plantamos há de vingar!

Não existe a natureza.

O que existe é EU-NATUREZA.


Isabela Crema 22/03/2013





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